O único objetivo deste tipo de oratória é produzir um efeito nas pessoas que a ouvem
Você jamais vai entender o verdadeiro significado da oratória da sedução, enquanto não compreender que seu objetivo não é nem persuadir, nem revelar abertamente seu pensamento e sentimentos, como é o caso na oratória convencional.
Ao usar a oratória da sedução, o candidato deve faszer um esforço para entrar na "pele" dos que o escutam, isto é, comunicar-se com os sentimentos deles: medos, inseguranças, esperanças, expectativas, desejos.
O único objetivo da oratória da sedução é produzir um efeito nas pessoas que a ouvem. Esta é a marca registrada deste tipo de oratória. Mas, que "efeito" é este que se deve produzir?
Para responder a esta pergunta, que é chave para entender-se o significado da oratória da sedução, é preciso antes, fazer um esforço para livrar-nos dos hábitos com os quais estamos muito familiarizados.
Em primeiro lugar, conter o desejo de revelar seus sentimentos e pensamentos. Nosso primeiro assunto, ao começar a falar, e, por vezes, o único, costuma ser nós mesmos. Isto é humano, normal e natural.... mas não na arte da sedução.
Em segundo lugar, você deve fazer um esforço para entrar na "pele" dos que o escutam, isto é, comunicar-se com os sentimentos deles: medos, inseguranças, esperanças, expectativas, desejos...
Em terceiro lugar, você deve ter fixado na mente que vai falar não para o cérebro das pessoas e sim para o coração. Tudo muda, na forma habitual de comunicação: os termos que se usa, a forma de falar, as imagens mentais que se busca produzir, o ritmo do discurso, e o uso das palavras.
Em quarto lugar, as palavras. Elas não devem ser encaradas como instrumentos que você maneja para revelar seus pensamentos, sua argumentação, sua lógica racional de convencimento. Elas são usadas para "confundir", "hipnotizar", "sensibilizar". Novamente, é oportuno lembrar o que foi dito na coluna anterior comparando a oratória da sedução com a convencional: na primeira, as palavras funcionam como uma melodia, enquanto que na segunda como um ruído.
Em quinto lugar, o conteúdo do seu discurso de sedução. Não se pode esquecer que, embora diferente da convencional, a oratória da sedução tem também o objetivo de obter a adesão das pessoas para a sua causa. Logo, precisa ter conteúdo, precisa apontar um rumo.
Este conteúdo, entretanto, tem que ser compatível com os sentimentos que este tipo de oratória provocou no público. Não pode ser uma "súbita reentrada", à guisa de conclusão, na oratória convencional, alinhando argumentos lógicos e racionais. Isto seria como despertá-los do sonho, provocaria um conflito de percepção que poria a perder toda a ação de sedução já realizada. O conteúdo terá que ser acima de tudo "vago" e "ambíguo" para que eles preencham, com a sua imaginação e com suas fantasias, o que você deixou de dizer.
Na oratória de sedução, o conteúdo tem de ser coerente com os sentimentos que este tipo de oratória irá provocar no público. Senão isto equivaleria a "despertar as pessoas do sonho".
Quem seduz, possui um mistério e um "charme" próprio. Não pode ser tão facilmente decodificado. Quem fala, explicando tudo, é o professor; o sedutor fala sugerindo. Ora, a sugestão completa-se pela imaginação, jamais pela explicitação. É fundamental deixar este espaço para o alvo da sedução completar. Ao completá-lo, o círculo da sedução se fecha. O alvo espontâneamente se "envolveu", passo indispensável para a "entrega".
Veja-se, como exemplo, o clássico discurso de Marco Antônio, descrito por Plutarco (Vidas) e transposto para o teatro pela pena genial de Shakespeare.
Morto César, pela conspiração de Brutus, a este compete vir a público explicar, nas escadarias do Senado, as razões para o assassinato de César. Seu discurso (dentro da oratória tradicional) alinhou razões lógicas para o regicídio. Ele e seus companheiros desejavam salvar Roma da ditadura. O povo aceitou a justificativa, e acatou os argumentos. Afinal, Brutus era um homem reputado como honrado, e era filho de César.
É então que Marco Antônio, depois do discurso de Brutus, toma a palavra. Ele começa seu discurso concordando com Brutus e com a massa (O discurso da sedução focaliza naquilo que as pessoas querem ouvir. Não há outra porta por onde entrar no mundo do outro, sem chamar a atenção e sem provocar reações defensivas).
A cada frase em que concorda com Brutus, termina repetindo, como numa litania, "Mas Brutus é um homem honrado". Pouco a pouco, Marco Antônio, começa a introduzir, como contraponto às acusações feitas a César por Brutus, um "mas" que apresenta o lado bom de César.
A partir de então sua linguagem fica emocionada. Ele fala do amor de César pelo povo romano, pelos amigos, por Brutus. Em breve, a passagem da concordância com as acusações, para o elogio a César, e, ato contínuo, para a "sugestão" sobre as intenções dos que o mataram, se completa.
Marco Antônio começou agradando o público e repetindo as acusações a César, sempre enfatizando que foram feitas por Brutus e que Brutus é um homem honrado. Ele inverte a estrutura do discurso e, depois de mostrar que "apesar das acusações, César havia feito muito bem para Roma e os romanos", (sempre com a anuência e aceitação do público), ele transita para o elogio aberto de César e faz um suspense sobre o testamento de César. Cria um clima de expectativa e curiosidade sobre o testamento ao dizer que se eles (o povo) conhecessem o testamento que ele tinha em mãos, então reconheceriam toda a grandeza de César e a mesquinhez e ambição de seus assassinos. A provocação produz o resultado esperado, e o povo passa a exigir que ele mostre o testamento.
O discurso de Marco Antônio, após a morte de Júlio César, é um clássico dos clássicos da oratória da sedução
Marco Antônio, então, já com total domínio da audiência, manda que todos se aproximem do corpo, ergue o manto de César e mostra o sangue, e as perfurações por onde os punhais haviam passado, em especial mostra onde o punhal de Brutus atingiu César, e lê o testamento, no qual Cézar deixava sua fortuna para o povo romano.
Foi o coup de grâce. O povo revoltado, vira-se contra os agressores de César, o mesmo povo que no inicio, ao ouvir as explicações de Brutus, aprovara o regicídio.
A peça oratória de Marco Antônio, é um clássico dos clássicos da oratória da sedução. Como o povo aceitara as acusações a César, ele também fingiu que aceitava, ainda que sempre focando em Brutus (Brutus é um homem honrado). Sem jamais afastar-se do apoio popular, introduziu ao lado da acusação aspectos positivos de César - de natureza emocional- que o povo também aceitou. A seguir, aumentou os positivos e pôs em dúvida os negativos, e o povo o acompanhou, para finalmente, remover os negativos e mostrar a grande injustiça.
A peça oratória é de grande dramaticidade. Marco Antônio faz o povo se aproximar do corpo morto de César, teatralmente apresenta o manto perfurado e molhado de sangue, e finalmente revela o conteúdo do testamento.
Todo o discurso é o oposto da oratória convencional e um marco da oratória da sedução.
Ele não contra-argumentou o discurso de Brutus. Ele não afirma, sugere; não acusa, lança dúvidas; ele não justifica César o estadista, fala do César que amava seu povo; não convoca o povo contra os conspiradores, deixa para eles completar o raciocínio e chegar a esta conclusão; o ritmo do discurso, cadenciado pela frase "Mas Brutus é um homem honrado", tem qualquer coisa de hipnótico; suas palavras são "untuosas", vagas, ambíguas; e, quando a temperatura do povo está alta, recorre, sem qualquer hesitação, à dramaturgia do corpo e do manto.
Muitas vezes, ao longo da história, este tipo de peça oratória fúnebre, com objetivos políticos, será usada. No Brasil mesmo, o povo que condenava Vargas e o "mar de lama", após o suicidio, e os inflamados discursos, muda de posição e volta-se contra os inimigos dele, com os quais, até a pouco concordavam.
O discurso fúnebre como peça de oratória da sedução, é apenas um tipo entre muitos outros. O que há de comum a todos é a arte de envolver o público pela emoção e pelos sentimentos.