segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Covas um mito....

Covas, um dos criadores do PSDB, evitou que o Partido entrasse no governo Collor na sua fase aguda
Fernando Henrique e Tasso Jereissati chegaram a ser convidados para o ministério
A história política de Mário Covas é muito rica e coerente, antes e depois de um episódio que poderia ter comprometido o futuro político do PSDB, Partido criado como dissidência do PMDB na Constituinte. Em março de 1992, numa reunião extraordinária da Executiva Nacional, Mário Covas liderou uma posição contrária ao ingresso no governo Fernando Collor. Na fase aguda de "salvação" de seu governo, Collor reformulara seu ministério com algumas figuras de destaque.
Mário Covas liderou uma posição contrária ao ingresso do partido no governo Fernando Collor
Era o que se chamava de ministério da governabilidade. E para ele estavam convidados pelo novo secretário do governo, Jorge Bornhausen, duas lideranças tucanas, Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereisssatti. Eles teriam admitido aceitar, mas condicionaram a uma confirmação à uma decisão partidária. Covas comandou a oposição aos convites e levou a melhor na votação. Naquele ato, o presidente Collor perdia o apoio da bancada do PSDB, decisiva para a situação em que se encontrava, mas em compensação, Fernando Henrique e Jereissati acabaram sendo poupados politicamente para seu futuros projetos. E o PSDB se preservava para o que viria logo a seguir, as eleições de 1994.
Este fato, mostra a sensibilidade política, coerência e retidão de Mário Covas, um dos responsáveis não só pela criação do PSDB, mas pelo zelo e obediência aos princípios que nortearam a fundação do partido que idealizara, ao lado de um grupo de companheiros. Ele foi um dos mais respeitados políticos da história brasileira, cuja dignidade na vida pública e pessoal tornou-se verdadeira referência. O episódio envolvendo Collor é apenas um de muitos em que Covas se envolveu mostrando sempre muita fidelidade ao programa partidário e objetivos perseguidos.
Sua morte, em 2001, depois de um longo período de sofrimento, com melhoras e recaídas, emocionou todo o país, que nele identificou sempre uma das grandes figuras da política brasileira e com contribuições a oferecer. Solidário e firme, convicto de suas idéias, combativo e humanista, a morte de Mário Covas, em 6 de março de 2001, privou o cenário nacional de uma de suas mais importantes figuras nas três últimas décadas.
De Santos para cenário nacional
Covas com Jânio Quadros no início de sua trajetória política
Mário Covas nasceu em Santos, São Paulo, em 21 de abril de 1930. Passou a infância em Santos, onde cursou o primeiro grau no Colégio Santista, e o segundo no Colégio Bandeirantes, em São Paulo, tendo se graduado em química industrial e logo depois tornando-se professor. Formou-se engenheiro civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, turma de 1955. Teve intensa militância na política estudantil dos anos 50 e foi vice-presidente da UNE, União Brasileira dos Estudantes, em São Paulo. Formado, prestou concurso público na Prefeitura de Santos, onde trabalhou como engenheiro.
Candidatou-se a prefeito de Santos em 1961, pelo PST, obtendo o segundo lugar na votação. No ano seguinte, e pelo mesmo partido, elegeu-se deputado federal.
Com a extinção dos partidos políticos, em 1966, foi um dos fundadores do MDB, pelo qual nesse mesmo ano se reelegeu deputado. Foi então escolhido líder da bancada oposicionista na Câmara dos Deputados. Aos 37 anos de idade, o jovem parlamentar já liderava uma bancada composta por figuras expressivas da vida política brasileira, como Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Ivete Vargas, entre outros.
Como líder percorreu vários estados procurando estimular seus correligionários, inclusive nos momentos agudos por que passou o MDB do Rio Grande do Sul, onde as teses da autodissolução e renúncia coletiva estavam em debate. Covas propunha o combate político dentro das poucas possibilidades que a oposição desfrutava na época. Desde o primeiro mandato, iniciado em 1963, até o final do segundo, em 1968, Mário Covas foi todos os anos incluído na lista dos mais destacados parlamentares, organizada anualmente pelos jornalistas que cobrem o Congresso Nacional.
Reação contra os militares
Covas ao lado de FHC e Serra, seus companheiros de PSDB
O caso Márcio Moreira Alves, em 1968, gerou de sua parte uma forte reação. Não aceitava que um discurso pronunciado num pinga-fogo da Câmara, mesmo crítico, ganhasse a dimensão que assumiu e se transformasse em caso de "dignidade das Forças Armadas", que representaram contra o deputado. Não ficou só. A maioria rejeitou o pedido arquitetado pelo ministro da Justiça, Gama e Silva, mas a reação custaria o fechamento do Congresso, a edição de um novo e mais duro Ato Institucional e a sua própria cassação.
Em 16 de janeiro de 1969 teve seu mandato atingido pela ditadura militar e os direitos políticos suspensos por dez anos. Um dia antes da edição do AI-5, prevendo as reações que viriam contra o discurso feito pelo deputado Márcio Moreira Alves, Covas fez um veemente discurso na Câmara: "Creio no povo, anônimo e coletivo, com todos seus contrastes, desde a febre criadora à mansidão paciente. Creio ser desse amalgama, dessa fusão de almas e emoção, que emana não apenas o poder, mas a própria sabedoria. Creio na palavra ainda quando viril ou injusta, porque acredito na força das idéias e no diálogo, que é o seu livre embate."
Alijado da vida política do país, Covas dedicou-se à atividade privada. Embora proscrito, nunca perdeu contato com seus companheiros e com a política.
A recuperação do prestígio
Ao recuperar a plenitude de seus direitos políticos, em 1979, com a decretação da anistia, foi eleito presidente do MDB de São Paulo, mas o pluripartidarismo o levaria a articular o PMDB, ocupando sua presidência regional. Eleito deputado federal com 300 mil votos em 1982, foi nomeado em março de 1983 secretário dos Transportes do governo Franco Montoro. Indicado pelo governador de São Paulo e aprovado pela Assembléia Legislativa, tornou-se prefeito da capital em 10 de maio, cargo que ocupou até 31 de dezembro de 1985.
Nos 33 meses de gestão na Prefeitura, Covas costumava dizer que sua missão seria "encurtar as distâncias sociais" da cidade e dar prioridade a obras e serviços na periferia. Desse período ficaram algumas fortes lembranças, como os mutirões para construção de guias e posterior pavimentação de ruas e a intervenção nas empresas privadas de ônibus. A campanha para escolher seu substituto centralizou as atenções políticas do país reunindo Fernando Henrique Cardoso e Jânio Quadros. Fernando Henrique ainda no PMDB, como Covas, era o favorito, mercê da boa administração de seu correligionário e do governador estadual, Franco Montoro, mas cometeu alguns erros políticos que foram bem aproveitados pelo ex-presidente. Um deles foi se deixar fotografar dias antes da eleição sentado na cadeira do prefeito...
Constituinte e PSDB
Mário Covas foi eleito senador, em 1986, com 7,7 milhões de votos
Após deixar a Prefeitura, Mário Covas foi eleito senador, em 1986, com uma das maiores votações: 7,7 milhões de votos. Líder do seu partido na Assembléia Nacional Constituinte, foi um dos articuladores das comissões temáticas que garantiram a participação de vários segmentos organizados da sociedade na elaboração da nova Carta. Já tinha, no entanto, projetos políticos bem delineados: criar um partido da social-democracia e candidatar-se ao Palácio do Planalto. Seria tudo uma questão de tempo.
Um tempo de confronto
Guerreiro por natureza, Mário Covas não entregava os pontos antes de uma boa briga verbal. "Não agüento ficar quieto. Tem horas em que meu sangue de espanhol parece ferver", dizia ele. Exibia sua habilidade em discursos na tribuna e em conversas ao pé do ouvido. Turrão, assustava os adversários ao começar os discursos com fala mansa e entremeá-los com saraivada de argumentos. Passional, emocionava platéias e conseguia virar votações. Foi o que aconteceu em momentos cruciais da política nacional.
Em 1968, com a sombra da ditadura militar, Covas obteve a última vitória da palavra contra a força. Armado com sua oratória, o deputado de 38 anos, que liderava a bancada do MDB, reverteu uma votação que parecia perdida, defendendo o mandato do colega Márcio Moreira Alves, contra quem o ministro da Justiça, autorizado pelos ministros militares, solicitava licença para processar. Naquele 12 de dezembro de 1968, um dia antes da decretação do AI-5 - o ato institucional que fechou o Congresso e suspendeu garantias e direitos constitucionais, Covas ajudou a provocar um racha na Arena para atrair os dissidentes da sigla. Indignado com a tentativa do governo Costa e Silva de cassar Moreira Alves, que, em setembro, fizera um discurso considerado ofensivo às Forças Armadas, ele foi um dos que comandou a rejeição do pedido de licença para processar o colega. Foram 216 votos contra, 141 a favor e 12 em branco, uma vitória estimulada por muitos fatores, um dos quais seu discurso dizendo que as Forças Armadas não poderiam desagravar uma instituição pelo caminho do desrespeito a um poder: "Como acreditar que as Forças Armadas brasileiras, que foram defender em nome do povo brasileiro, em solo estrangeiro, a democracia no mundo, coloquem como imperativo de sua sobrevivência o sacrifício da liberdade e da democracia no Brasil? Sou, senhor presidente, por fundamentação e por índole, um homem que mentalmente crê. Creio no regime democrático, que não se confunde com a anarquia, mas que em instante algum possa rotular ou mascarar a tirania. Creio no Parlamento, ainda que com suas demasiadas fraquezas, que só desaparecerão se o sustentarmos livre, soberano e independente."
Covas, assim como Brizola, apoiou Lula no 2º turno da eleição presidencial de 1989
Garra na Constituinte
Quase 20 anos depois, outro pronunciamento já como senador, Mário Covas mudaria mais uma vez os rumos da política. Conquistou a liderança do PMDB na Constituinte, em 1987, ao enfrentar o poderoso Ulysses Guimarães e os interesses do governo José Sarney. Começavam ali seus desentendimentos com líderes do PMDB que acabariam evoluindo para a formação do PSDB, ainda durante os trabalhos da Constituinte. Tinha voltado à tribuna para enfrentar o que chamou de outro tipo de opressão, usando o argumento do excesso de poder, agora contra o próprio Ulysses e seu candidato à liderança na Constituinte.
Choque de capitalismo
O PSDB já estava formado, reunindo dissidentes do PMDB em sua maioria. Os objetivos eram maiores, não se limitando à Constituinte, mas também participar de uma eleição presidencial, como forma de difundir o novo partido. E o nome aclamado foi o seu. Lançado, Covas fez da tribuna do Senado um histórico pronunciamento apontando as razões de sua candidatura, saudado até por adversários.
Ali, poderia ser traçada a linha divisória da velha alternativa entre a direita autoritária e a esquerda populista, e tendo como opção uma visão moderna da política. Covas apresentou no Senado sua plataforma de candidato, com a famosa expressão "choque de capitalismo". Aplaudido de pé, ele antecipou vários pontos que ainda hoje estão na agenda política.
"O Brasil não precisa apenas de um choque fiscal. Precisa, também, de um choque de capitalismo, um choque de livre iniciativa, sujeita a riscos e não apenas a prêmios."
"Só existe soberania quando há uma população com condições para sobreviver com dignidade."
"Basta de gastar sem ter dinheiro. Basta de tanto subsídio, de tantos incentivos, de tantos privilégios sem justificativas ou utilidade comprovadas. Basta de empreguismo. Basta de cartórios."
"Uma reforma urbana é fundamental, tanto quanto a realização da reforma agrária."
"Vamos fazer uma auditoria na dívida externa."
"O regime parlamentar pode banir o autoritarismo."
"A social-democracia partilha da crítica mundial ao Estado superdimensionado."
Convenção do PSDB em 1994 que escolheu Mário Covas candidato a governador de São Paulo
"Só se pode falar em país capitalista se seu mercado interno for forte."
"O problema fundamental é a impunidade, que criou um tipo de cultura."
"Não aceitamos a tese neoliberal do Estado."
"Compreendo a função política na democracia como instrumento eficaz para a transformação e aperfeiçoamento das estruturas."
"Ser nacionalista hoje em dia é defender uma política nacional de desenvolvimento."
"Desigualdade não se corrige com estagnação. Corrige-se redistribuindo renda e também crescendo ao mesmo tempo."
"O PSDB não preconiza o calote. Nossa proposta é a redução da dívida externa ao valor do mercado secundário."
"Há necessidade de privatização em alguns setores. Eu não privatizo, por exemplo, a Petrobras, pelo seu significado simbólico para a própria libertação da economia nacional."
"O desenvolvimento econômico deve passar necessariamente pela justiça social."
Foi uma eleição muito disputada, era a primeira depois do regime militar, e na qual Mário Covas brigou até o fim para ir ao segundo turno. Obteve o quarto lugar, com 7.790.392 votos, atrás de Fernando Collor e Lula, que foram ao segundo turno, e Leonel Brizola.
O governo paulista
Seu grande inimigo em São Paulo sempre foi Paulo Maluf. Aqui, os dois aparecem numa capa da revista Veja SP
Mário Covas permaneceu no Senado, combatendo o governo Collor, que terminou em fins de 1992. Itamar Franco fez um governo de coalizão, recrutando quase todos os partidos. A oportunidade dos tucanos viria em 1994, quando Fernando Henrique, vindo de uma passagem exitosa na Fazenda com a implantação do Plano Real, despontou como candidato, e Mário Covas voltou-se para a sucessão do governo paulista. Ambos venceram.
Covas sempre dizia que não queria ser presidente, mas governador, e, depois de ter perdido a eleição de 1990 para Luiz Fernando Fleury, concorreu e ganhou em 1994. A partir de então, mesmo participando ativamente das ações partidárias no âmbito estadual e nacional, Covas voltou-se para a administração estadual.
Quando assumiu tinha pela frente uma dívida considerável e o grave problema do Banespa, para a qual contou com apoio federal no seu processo de saneamento. Exigente com sua equipe e polêmico com a oposição, Covas imprimiu um estilo próprio no comando do Estado, não fugindo ao debate por vezes público e agitado.
Reeleição e o drama começa
Mário Covas durante campanha, em 1998, pela reeleição ao cargo de governador de São Paulo
Concorreu à reeleição em 1998 e saiu vitorioso, mas aí passou a enfrentar a enfermidade, lutando com muita coragem para compatibilizar o tratamento com a administração, até que foi vencido. Houve momentos de muita emoção nessa fase, envolvendo governo, oposição e público. E Covas lutou até o fim, vendo seu drama ser acompanhado por todos. Num desabafo chegou a dizer, refletindo todo seu estado de espírito, em janeiro de 2001, que não iria morrer, "porque não queria morrer!".
Foi toda uma fase marcada por muitos momentos de esperanças, emoções e tristeza. Ao submeter-se a uma cirurgia de próstata, no início de tudo, os médicos detectaram um câncer de bexiga, que é retirada. Uma nova bexiga é reconstruída com partes do intestino.
Em 1999, Covas tomou posse como governador reeleito depois de terminada sua licença médica, mostrando a mesma firmeza e procurando transmitir a sensação de que superara seus problemas médicos. Torna-se então superativo, procurando imprimir um ritmo administrativo capaz de superar as deficiências orgânicas e aos prognósticos indefinidos.
Esforço final
Nessa atividade, Covas decide participar intensamente do governo, inclusive enfrentando manifestações e protestos, comparecendo a muitos eventos desfavoráveis ao governo. A ponto de sofrer agressões de desafetos, como uma bandeirada na cabeça durante manifestação de professores em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, episódio registrado pela TV e que obteve ampla repercussão. Ao tentar entrar na Secretaria da Educação, na praça da República (região central de São Paulo), onde professores em greve estavam acampados, Covas é atingido por pedras e paus e sofre um ferimento na testa e outro no lábio superior.
Saúde agravada
Os problemas de saúde se mostram insuperáveis. No dia 19 de julho, os médicos confirmam que Covas tem um tumor maligno entre a nova bexiga e o reto, mesma região atingida pelo câncer em 1998. No dia 24 de outubro de 2000, Covas adia sua internação para a noite do dia 29, data da eleição, e confirma publicamente seu voto em Marta Suplicy , no segundo turno para a Prefeitura de São Paulo, coerente com sua histórica postura antimalufista.
Dia 31 de outubro, Mário Covas deixa o Incor (Instituto do Coração), um dia depois de se submeter a uma angioplastia para desobstrução de artéria coronária e colocação de um "stent" (prótese em forma de tubo) para mantê-la aberta. Um mês depois, no dia 30 de novembro, viaja 640 km de helicóptero, e 60 km de carro para vistoriar obras na capital paulista, Campinas e em São José dos Campos. Políticos tucanos acompanham o governador Mário Covas em sua última cerimônia antes da internação. No dia 19 de novembro, Covas é internado no Incor para se submeter à segunda cirurgia de retirada de um tumor maligno em menos de dois anos.
Solidariedade nacional
Covas, ao lado de sua esposa, se emociona durante entrevista coletiva no Incor
Nessa época, foram enviadas centenas de cartas e telegramas, correntes de orações foram realizadas por todo o país. Mensagens pessoais já eram encaminhadas ao governador, quando este ia inaugurar e inspecionar obras. Nestes meses foram estabelecidas fortes relações entre Covas e o povo de São Paulo. O clima emocional tomava conta do Estado. Sentindo o agravamento, no dia 22 de janeiro de 2001, Covas anuncia oficialmente o afastamento de suas funções de governador do Estado de São Paulo. Seu vice, Geraldo Alckmin, assume interinamente o governo. No dia 25 de janeiro, mesmo afastado, Covas participa de inauguração de obras na Castelo Branco. O sofrimento chega ao fim no dia 6 de março: Mário Covas morre de falência múltipla dos órgãos por volta das 5h30.
Frases reveladoras
A força de Covas, no entanto, se traduzia por algumas frases que revelavam sua lucidez mesmo nos momentos mais difíceis:
"Eu tinha medo disso. Mas como posso reclamar se Deus me deu a vida? Quem ganha o principal não pode discutir o acessório." (Depois da cirurgia a que se submeteu para a extração de dois tumores no intestino - dezembro de 2000)
"Tem sido tão bom para mim que o meu grau de dívida com a sociedade é muito grande. Errei muitas vezes, vou continuar errando, mas não posso deixar de reconhecer que, mesmo sem ter pedido, recebi tudo de que precisava." (Em entrevista coletiva, depois da cirurgia para a retirada de um tumor na bexiga - novembro de 2000)
Mário Covas participa do sorteio de casas populares em Itaquera
"A gente vai tocando para a frente. Quando cair, a gente pára. Não sou maluco, eu conheço a minha força. Ninguém quer se suicidar. Esta é a obra social mais importante de todo o meu governo. Por isso fiz questão de vir até aqui." (Um dia depois de se licenciar do cargo para tratar do câncer, visitando uma favela urbanizada - dezembro de 2000)
"O que me move é tentar, no limite das minhas forças, cumprir a minha tarefa." (Na mesma ocasião - dezembro de 2000)
"Um dia isso vai acontecer. E todos sentirão a minha falta." (Ao ser questionado se teria medo de morrer, depois de sair do hospital - outubro de 2000)
Depoimento de Lula
Mesmo em trincheiras opostas, Mário Covas e Lula tinham muita coisa em comum. É do atual presidente da República o depoimento feito logo após sua morte:
"Covas foi um adversário leal. Com ele, podíamos sempre conversar abertamente. Esse tipo de político faz muito bem ao Brasil, ao contrário de outros que não têm ética nem cumprem compromissos. Mesmo quando estávamos em pólos opostos ele contribuía com grandes idéias para o debate. Dava prazer fazer política com Covas. A verdade é que ele deixa uma grande lacuna ética na política brasileira.
Covas e Lula no final dos anos 70
Covas tinha fama de mal-humorado, mas lutava e era honesto naquilo que falava. Acredito que o Brasil tenha perdido um exemplo de ética, de dignidade e de moral. Perdeu o Brasil, perdeu o PSDB, e, acima de tudo, também perdeu o povo brasileiro. Isso não significa deixar de lado todas as nossas diferenças políticas e partidárias. Mas é hora de fazer o reconhecimento devido a uma pessoa por quem eu nutria um profundo respeito e admiração. Isso porque Covas tinha caráter e tinha palavra.
Na Assembléia Nacional Constituinte, quando fomos colegas, os conservadores, além de atacar a esquerda, tinham o objetivo de neutralizar e diminuir o peso de Mário Covas, que era então o principal negociador do PMDB e agia de forma honrada, cumprindo à risca o que acordava conosco. Por mais que você pudesse discordar de Covas, você podia confiar na sua palavra. Tinha a certeza de que ele cumpriria os acordos e sabia também que ele poderia dizer não, mesmo quando seria mais fácil dizer sim.
Além disso tudo, ele sempre teve comigo um comportamento muito ético e decente, numa história que vem desde a solidariedade nas greves de 1979 e 1980, passando pela própria Constituinte, quando atuou com muita dignidade, e culminando no segundo turno das eleições de 1989, quando foi para o palanque comigo em São Paulo e no Rio de Janeiro, além do recente apoio à candidatura de Marta Suplicy na última eleição para a prefeitura de São Paulo.
Em termos conjunturais, a morte do governador Mário Covas pode complicar ainda mais a relação entre a oposição e o governo federal. Acredito que agora fique mais difícil esse diálogo. Covas tinha uma relação profunda com o PT, apesar das divergências. Esse era um dos fatores que facilitavam o entendimento entre nós."
É preciso dizer também que, dentro do PSDB, inclusive na sua alta cúpula, muita gente não gostava de Covas, muita gente o considerava muito duro. É bom lembrar que, não fosse por causa dele, certos tucanos teriam embarcado sem pestanejar na canoa furada do governo de Fernando Collor de Melo.
Por Carlos Fehlbe

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